Plano de Ação para Estudos de Inativação Viral ICH Q5A(R2): garantindo a segurança de produtos biológicos

Escrito por Aruã Prudenciatti

Biotecnólogo e Engenheiro de Bioprocessos pela Universidade Estadual Paulista e Ph.D. candidato em Biotecnologia Médica (P&D) pelo Hospital do Estado de São Paulo, Faculdade de Medicina, pesquisou na Faculdade de Farmácia da ULM EUA, onde trabalhou na descoberta e validação de eficácia pré-clínica de novos medicamentos e moléculas. Cofundador e CEO da CROP, empresa que fornece estudos pré-clínicos de segurança e eficácia para cosméticos, produtos farmacêuticos e terapêuticas avançadas.

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julho 27, 2023

Os produtos biotecnológicos têm desempenhado um papel revolucionário na indústria médica, oferecendo tratamentos e terapias inovadoras para diversas doenças.

No entanto, como muitos desses produtos são derivados de linhagens celulares humanas ou animais, é fundamental realizar avaliações rigorosas de segurança para mitigar os riscos potenciais de contaminação viral.

Com o intuito de abordar tais preocupações, o Conselho Internacional para Harmonização de Requisitos Técnicos para Produtos Farmacêuticos de Uso Humano (ICH) desenvolveu a diretriz Q5A(R2), que estabelece princípios para avaliar a segurança viral de produtos biotecnológicos originados de linhagens celulares de origem humana ou animal.

Antecedentes e Propósito

A diretriz ICH Q5A(R2) foi elaborada em colaboração entre as autoridades regulatórias e a indústria farmacêutica com o objetivo de fornecer uma estrutura unificada para avaliar a segurança viral de produtos biotecnológicos.

O principal propósito dessa diretriz é assegurar a segurança e qualidade dos produtos, ao abordar possíveis riscos de contaminação viral durante todas as etapas de desenvolvimento, produção e uso clínico.

Escopo da Diretriz ICH Q5A(R2)

A diretriz ICH Q5A(R2) é aplicável a produtos biotecnológicos derivados de linhagens celulares de origem humana ou animal.

Esta abrangência engloba diversos produtos, como vacinas, terapias gênicas, terapias celulares, produtos de diagnóstico e proteínas recombinantes, entre outros.

Princípios Fundamentais da Avaliação de Segurança Viral

A diretriz apresenta uma abordagem abrangente para a avaliação de segurança viral, compreendendo os seguintes aspectos:

  1. Análise da Linhagem Celular: É essencial realizar uma caracterização detalhada da linhagem celular utilizada na produção do produto. Isso inclui identificação e documentação das origens celulares, histórico de manipulação genética, potenciais retrovírus endógenos e histórico de segurança.
  2. Detecção de Vírus Conhecidos: Testes rigorosos devem ser conduzidos para detectar a presença de vírus conhecidos que possam contaminar o produto. São empregados métodos altamente sensíveis, como técnicas de biologia molecular.
  3. Avaliação de Risco Viral: Uma avaliação abrangente de risco viral é realizada, levando em consideração a origem da linhagem celular, o potencial de contaminação viral, os processos de produção e a finalidade do produto. Isso ajuda a identificar e mitigar possíveis fontes de contaminação viral.
  4. Estratégias de Redução de Risco: Com base na avaliação de risco viral, são implementadas estratégias adequadas para reduzir ou eliminar o risco de contaminação viral. Isso pode incluir etapas adicionais de purificação, inativação viral ou outros métodos de segurança.

Justificativa e Plano de Ação para Estudos de Inativação Viral e Testes de Vírus em Produtos Purificados

É de extrema importância desenvolver um protocolo relevante e racional para os estudos de inativação viral, abrangendo desde o nível de MCB (Master Cell Bank) até as várias etapas da produção do medicamento, incluindo a avaliação e caracterização do clearance viral no bulk não processado.

A avaliação e caracterização do clearance viral desempenham um papel crítico nesse processo, visando garantir que o produto final esteja livre de contaminação viral.

Ao selecionar vírus para estudos de clearance, é importante distinguir entre a necessidade de avaliar a capacidade do processo em eliminar vírus conhecidos e a intenção de estimar a robustez do processo por meio da caracterização do clearance de vírus “modelo” não específicos (descritos posteriormente).

O glossário fornece definições de vírus “relevantes”, específicos e “modelos” não específicos.

A avaliação do processo requer o conhecimento da quantidade de vírus que pode estar presente no processo, como no bulk não processado, e da quantidade que pode ser eliminada para garantir a segurança do produto.

A compreensão da inativação ao longo do tempo é útil para assegurar a eficácia do processo de inativação.

Quando se avalia o clearance de contaminantes conhecidos, serão necessários estudos detalhados de inativação ao longo do tempo, demonstração da reprodutibilidade da inativação/remoção e avaliação dos parâmetros do processo.

Quando um processo de fabricação é caracterizado quanto à robustez do clearance usando vírus “modelo” não específicos, deve-se dedicar atenção especial aos vírus não envelopados no desenho do estudo.

A extensão dos estudos de caracterização do clearance viral pode ser influenciada pelos resultados dos testes em linhagens celulares e no bulk não processado. Esses estudos devem ser realizados conforme descrito a seguir (seção 6).

A tabela 4 apresentada a diante ilustra um exemplo de plano de ação, abrangendo a avaliação do processo e caracterização do clearance viral, bem como os testes de vírus no bulk purificado, em resposta aos resultados dos testes de vírus nas células e/ou no bulk não processado.

Diversos cenários são contemplados. Em todos os casos, é necessário realizar a caracterização do clearance usando vírus “modelo” não específicos. As situações mais comuns são os Casos A e B. Normalmente, sistemas de produção contaminados com um vírus diferente de um retrovírus de roedor não são utilizados.

Quando existirem razões convincentes e bem justificadas para a produção de medicamentos usando uma linhagem celular dos Casos C, D ou E, isso deve ser discutido com as autoridades regulatórias. Para os Casos C, D e E, é fundamental possuir etapas eficazes validadas para inativar/remover o vírus em questão do processo de fabricação.

Caso A: Quando nenhum vírus, partícula viral ou partícula viral retroviral foi demonstrado nas células ou no bulk não processado, estudos de remoção e inativação viral devem ser realizados com vírus “modelo” não específicos, conforme mencionado anteriormente.

Caso B: Quando apenas um retrovírus de roedor (ou uma partícula viral retroviral que se acredita ser não patogênica, como as partículas dos tipos A e R de roedor) está presente, a avaliação do processo deve ser realizada usando um vírus “modelo” específico, como um vírus da leucemia murina.

O bulk purificado deve ser testado usando métodos adequados, com alta especificidade e sensibilidade para a detecção do vírus em questão. Para a autorização de comercialização, dados de pelo menos 3 lotes de bulk purificado em escala de planta piloto ou comercial devem ser fornecidos.

Linhagens celulares como CHO, C127, BHK e linhagens híbridas de murinos têm sido frequentemente utilizadas como substratos para a produção de medicamentos, sem relatos de problemas de segurança relacionados à contaminação viral dos produtos.

Para essas linhagens celulares, em que as partículas endógenas foram extensivamente caracterizadas e o clearance foi demonstrado, normalmente não é necessário testar a presença das partículas não infecciosas no bulk purificado. Estudos com vírus “modelo” não específicos, como no Caso A, são apropriados.

Caso C: Quando se sabe que as células ou o bulk não processado contêm um vírus diferente de um retrovírus de roedor, para o qual não há evidências de capacidade de infectar seres humanos (como aqueles identificados na nota de rodapé 2 da Tabela 3, exceto retrovírus de roedores Não Caso B), os estudos de avaliação de remoção e inativação devem usar o vírus identificado.

Se não for possível usar o vírus identificado, devem ser usados vírus “modelos” “relevantes” ou específicos para demonstrar o clearance aceitável. Dados de inativação dependente do tempo para vírus identificados (ou vírus “modelos” “relevantes” ou específicos) na etapa crítica de inativação devem ser obtidos como parte da avaliação do processo para esses vírus.

O bulk purificado deve ser testado usando métodos adequados, com alta especificidade e sensibilidade para a detecção do vírus em questão.

Para a autorização de comercialização, dados de pelo menos 3 lotes de bulk purificado fabricados em escala de planta piloto ou comercial devem ser fornecidos.

Caso D: Quando um patógeno humano conhecido, como os indicados na nota de rodapé 1 da Tabela 3, é identificado, o produto pode ser considerado aceitável apenas sob circunstâncias excepcionais.

Nesse caso, é recomendado que o vírus identificado seja usado para os estudos de avaliação de remoção e inativação, e sejam empregados métodos específicos com alta especificidade e sensibilidade para a detecção do vírus em questão.

Se não for possível usar o vírus identificado, devem ser usados vírus “modelos” “relevantes” e/ou específicos (descritos posteriormente).

O processo deve mostrar que consegue remover e inativar os vírus selecionados durante os processos de purificação e inativação.

Dados de inativação dependentes do tempo para a etapa crítica de inativação devem ser obtidos como parte da avaliação do processo.

O bulk purificado deve ser testado usando métodos adequados, com alta especificidade e sensibilidade para a detecção do vírus em questão.

Para a autorização de comercialização, dados de pelo menos 3 lotes de bulk purificado fabricados em escala de planta piloto ou comercial devem ser fornecidos.

Caso E: Quando um vírus, que não pode ser classificado por metodologias atualmente disponíveis, é detectado nas células ou no bulk não processado, o produto é geralmente considerado inaceitável, pois o vírus pode ser patogênico.

No caso muito raro em que existam razões convincentes e bem justificadas para a produção de medicamentos usando tal linhagem celular, isso deve ser discutido com as autoridades regulatórias antes de prosseguir.

Em conclusão, a diretriz ICH Q5A(R2) representa um marco essencial para garantir a segurança viral em produtos biotecnológicos derivados de linhagens celulares de origem humana ou animal. Através dessa diretriz, é possível estabelecer uma abordagem unificada e criteriosa para a avaliação e mitigação de riscos de contaminação viral, assegurando que esses produtos sejam seguros para uso clínico.

A avaliação de segurança viral começa com uma análise detalhada da linhagem celular, identificando quaisquer potenciais riscos de contaminação viral. Em seguida, são realizados testes rigorosos para detectar a presença de vírus conhecidos e outras partículas virais. Com base nessa avaliação de risco, são implementadas estratégias adequadas para reduzir ou eliminar qualquer contaminação viral identificada, incluindo etapas adicionais de purificação e inativação viral.

Um dos pontos chave do plano de ação é a caracterização do clearance viral durante o processo de produção do medicamento, desde o nível de MCB até o bulk purificado. É fundamental selecionar vírus “modelo” não específicos e, em alguns casos, vírus “modelo” específicos para avaliar a capacidade de inativação e remoção dos contaminantes virais conhecidos. Além disso, para casos em que um vírus conhecido é detectado nas células ou bulk não processado, estudos específicos devem ser conduzidos para demonstrar a eficácia da remoção e inativação durante o processo de fabricação.

É importante ressaltar que a diretriz ICH Q5A(R2) deve ser seguida de forma criteriosa para garantir a segurança dos produtos biotecnológicos. Os fabricantes devem colaborar com as autoridades regulatórias em todas as etapas do processo, fornecendo dados confiáveis e relevantes para a avaliação da segurança viral.

Com a implementação efetiva dessa diretriz, os produtos biotecnológicos derivados de linhagens celulares de origem humana ou animal podem ser desenvolvidos e produzidos com maior confiança, oferecendo tratamentos inovadores e seguros para pacientes em todo o mundo. A busca contínua pela excelência na avaliação de segurança viral é essencial para aprimorar continuamente os padrões de qualidade e segurança dos produtos biotecnológicos, impulsionando avanços significativos na medicina e melhorando a vida das pessoas.

Tabela 4 – Plano de ação para inativação viral 

Caso ACaso BCaso C2Caso D2Caso E3
Vírus detectado1NãoNãoSimSimSim3
Partículas virais detectadas1NãoNãoNãoNãoSim3
Partículas retrovirais detectadas1NãoSimNãoNãoSim
Vírus identificadoNão aplicávelSimSimSimNão
Vírus patogênico para humanosNão aplicávelNão4Não4SimDesconhecido 
Ação
Estudo de viral clearance com modelos virais não específicosRealizar5Realizar5Realizar5Realizar5Realizar7
Estudo de viral clearance com modelos virais relevantes ou específicosNãoRealizar6 Realizar6Realizar6Realizar6
Teste para vírus no produto bruto finalNão aplicávelRealizar8Realizar8Realizar8Realizar8

1. Resultados dos testes de vírus para o substrato celular e/ou no nível do bulk não processado. Culturas celulares utilizadas para a produção que estão contaminadas com vírus geralmente não são aceitáveis. Vírus endógenos (como retrovírus) ou vírus que fazem parte integrante do MCB podem ser aceitáveis se forem seguidos procedimentos apropriados de avaliação de remoção viral.

2.O uso de material de origem contaminada com vírus, seja ou não conhecido por ser infeccioso e/ou patogênico em humanos, só será permitido em circunstâncias muito excepcionais.

3. Vírus foram observados por métodos diretos ou indiretos.

4. Acredita-se que sejam não patogênicos.

5. Devem-se realizar a caracterização do clearance usando vírus “modelo” não específicos.

6. A avaliação do processo para vírus “relevantes” ou vírus “modelo” específicos deve ser realizada.

7. Ver texto sobre o Caso E.

8. A ausência de vírus detectáveis deve ser confirmada no bulk purificado por meio de métodos adequados, com alta especificidade e sensibilidade para a detecção do vírus em questão. Para a obtenção da autorização de comercialização, dados de pelo menos 3 lotes de bulk purificado fabricados em escala de planta piloto ou comercial devem ser fornecidos. Entretanto, para linhagens celulares como células CHO, cujas partículas endógenas foram extensivamente caracterizadas e o clearance adequado foi demonstrado, geralmente não é necessário testar a presença das partículas não infecciosas no bulk purificado.


Sobre a Crop

A Crop é uma empresa prestadora de serviços de pesquisa de nova geração para o desenvolvimento de ingredientes e produtos em saúde. Especializada em metodologias moleculares e celulares, a Crop oferece testes que minimizam o humano e oferecem dados mecanísticos precisos para validação de segurança e eficácia.

Nossos serviços estão disponíveis para empresas privadas, instituições acadêmicas e centros de pesquisa governamentais, desde a descoberta até a fase pré-clínica, da triagem à validação.

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